É inegável que o Carnaval é um dos períodos festivos mais importantes do Brasil, assim como o Natal é imprescindível para a economia do país.
As tradições culturais do período momesco variam de região para região, como o Carnaval do Rio de Janeiro, da Bahia, de Pernambuco e, sucessivamente, em todos os estados. Além disso, é preciso incluir na fórmula de sucesso da folia os dias de folga prolongados e os potenciais turísticos de cada localidade.
Os três estados citados acima são reconhecidos nacionalmente por promoverem os maiores e melhores Carnavais do Brasil. Afinal, foram anos de investimentos, e um dos principais vetores foi a consolidação de suas identidades culturais, permitindo que o turista saiba exatamente o que esperar: no Rio, os desfiles das escolas de samba e blocos como Cacique de Ramos, Cordão do Bola Preta e Sargento Pimenta; na Bahia, o axé dos trios elétricos; e, em Pernambuco, o frevo nas ruas antigas de Olinda e o palco multicultural do Marco Zero, no Recife.
A principal característica em comum entre esses Carnavais é a valorização das atrações regionais. Basta observar a programação para constatar que a multidão consome a cultura local de cada estado — resultado de um trabalho que não começou da noite para o dia. Até porque não basta apenas mudar a logomarca de um governo e proclamar que tem o maior Carnaval do Brasil; é preciso apresentar resultados concretos.
Trazendo a discussão para o Carnaval do Maranhão, é preciso reconhecer que o estado esteve muito próximo desse patamar durante os governos Roseana Sarney e Flávio Dino. No período de Roseana, o Maranhão teve um dos melhores Carnavais de rua do Brasil, com o sucesso do Bicho Terra na ponta da língua do público e o contato direto com os blocos tradicionais, em uma festa vibrante na Madre Deus. Já no governo Dino, houve o resgate do circuito Beira-Mar, que valorizou artistas como Flávia Bittencourt, Rosa Reis e Zeca Baleiro, dividindo o mesmo trio elétrico com nomes do porte de Chico César e Alceu Valença, criando um ambiente único para um dos melhores Carnavais do Maranhão.
Ainda nessa época, quem não se lembra dos “falados” Carnavais de Cururupu, Pinheiro, Barra do Corda e Guimarães? Aliás, que bola fora do governo ao não investir na belíssima praia de Araoca! Nem mesmo a recém-inaugurada Estrada dos Poetas foi suficiente para justificar um bom investimento na região. Enfim, um governo que se autossabota.
Falando em investimento, o governo do Estado declarou à revista Exame que investiu R$ 68 milhões no Carnaval deste ano, com a expectativa de um retorno quatro vezes maior, segundo estimativas do próprio governo. Consultei alguns amigos economistas e não conseguimos encontrar equilíbrio nessa conta — tampouco lógica —, ainda mais considerando que camarotes privados cobram até R$ 700 para quem deseja uma visão privilegiada da festa. Ou seja, o governo paga cachês milionários para atrações, enquanto um seleto grupo explora a venda de ingressos. Não há como não ser empreendedor desse jeito, não é verdade?
Outro ponto que chama atenção é que, apesar de o governo do Estado afirmar que adota uma política municipalista, concentrou seu investimento na capital, esvaziando o Carnaval nos municípios. Como consequência, pequenos comerciantes do interior, que esperavam faturar nesse período, ficaram ao relento. É como no ditado popular: “cobertor de pobre, quando cobre a cabeça, descobre os pés”.
Já o prefeito Eduardo Braide investiu cerca de R$ 20 milhões no Carnaval de São Luís, com destaque para uma megaestrutura instalada desde o Réveillon e uma grande quantidade de atrações nacionais. A disputa de popularidade entre o prefeito e o governador Carlos Brandão ficou evidente, com ambos apostando no populismo midiático do “pão e circo” para gerar engajamento nas redes sociais.
O resultado prático dessa disputa foi, mais uma vez, a desvalorização da cultura maranhense em todos os níveis. O adiamento dos desfiles das escolas de samba e dos blocos tradicionais, o tratamento dado aos artistas locais como meros coadjuvantes e a “baianização” das tradições culturais financiadas com dinheiro público escancaram essa realidade, com resultados maquiados por uma opinião influenciada e bem remunerada.
A conta vai pesar mesmo quando a ficha cair e a população perceber a precariedade da educação municipal, o passe livre estudantil que o prefeito alega não ter verba para implantar, o Estádio Nhozinho Santos fechado, as estradas do Maranhão esburacadas e as pontes precárias, de responsabilidade do governo estadual, em todo o estado.
Mas, no São João, a esperança do povo será renovada. Vem aí “o maior São João do Brasil” e, com ele, uma enxurrada de cachês milionários antecipados para artistas sertanejos, enquanto os grupos de bumba meu boi terão que esperar um ano para receber. Mas o povão vai comparecer. Afinal, a massa, bem batida, molda o pão e o circo.
Texto publicado originalmente em Os Analistas